- Provada a existência de prejuízos, pode a respectiva quantificação ser remetida para liquidação.
Texto: «Quanto ao recurso interposto por R... – Recolha de Leite da Beira Interior, Lda., cabe começar por apreciar a “questão de saber se efectivamente a ré sofreu prejuízos com aumento de custos de produção”.Como se viu, a autora sustenta que, tal como se decidiu em 1ª Instância, os factos provados não demonstram que a ré tenha sofrido tais prejuízos. Por esse motivo, a sentença decidiu: “apesar de a ré ter provado que, em algumas ocasiões, o leite fornecido pela autora não observava os padrões impostos pela Portaria nº 533/93 de 21 de Maio, designadamente o seu Capítulo IV, o que determina a existência de cumprimento defeituoso, entendemos que a matéria de facto provada é, por si só, insusceptível de demonstrar a existência dos prejuízos invocados pela ré e, consequentemente, insusceptível de demonstra a existência do crédito de € 815.269,20.”A Relação, porém, recordando ser “ponto assente (por não sindicada, nesta matéria, pelas partes, a sentença em recurso) que se verifica incumprimento contratual por parte da autora ao não fornecer à ré o leite nas condições de qualidade em que o deveria fazer”, entendeu que está assente que existiram aumentos de custo de produção, mas não a sua medida; por isso, remeteu para liquidação a quantificação dos prejuízos. Não merece censura, neste ponto, o acórdão recorrido. Com efeito, está provado que o leite fornecido pela autora à ré apresentava, por vezes, antibióticos, teores de acidez superiores a 21º e a 30º centígrados, teor de germes – microrganismos mesófilos – superiores a 100.000 por mililitro, como sucedeu em 29 de Maio de 2003, quando foi verificado o valor de 26.000.000 por mililitro, bem como um teor de células somáticas, à mesma temperatura e por mililitro, superior a 400.000. Está ainda provado que a presença no leite de flora microbiana excessiva exige a aplicação de técnicas de correcção no processo de fabrico do queijo e da manteiga, com o consequente aumento de custos de produção destes derivados do leite, e que a realização da pasteurização a temperaturas mais elevadas implica o consumo de mais energia eléctrica; que a pasteurização a temperaturas mais elevadas – ultrapasteurização a 100º — pode provocar a coagulação de determinadas proteínas do soro o que, em leites de muito má qualidade – que, por tal razão, não deveriam sequer ser aproveitados – pode causar o aparecimento de mau sabor e de mau cheiro; que a presença no leite de células somáticas em excesso pode ser diminuída através da clarificação do leite; e que a presença no leite de inibidores designadamente, de antibióticos, prejudica o desenvolvimento dos fermentos no processo de fabrico do queijo, exigindo a intervenção para correcção de tal presença, e um maior consumo de fermentos. Está, pois, determinado que a (concretamente verificada) deficiente qualidade do leite fornecido provoca o aumento dos custos de produção; não se sabe, todavia, em que medida. Justifica-se, portanto, que se remeta para liquidação, nos termos previstos no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, a quantificação destes prejuízos; e, por conseguinte, que a autora seja condenada no pagamento correspondente. 9. Resta a questão da indemnização pela diferença de preço do leite entre o que a ré pagou a terceiros e aquele que seria cobrado pela autora. Também aqui divergiram as instâncias. A 1ª Instância, mais uma vez, entendeu que “para além de se desconhecer se o leite comprado pela ré tem ou não as mesmas qualidades – e portanto, se assegura ou não a mesma rentabilidade do leite vendido pela autora – a circunstância de não se ter provado que todo o leite adquirido pela ré após a interrupção de fornecimento pela autora, o foi ao preço de € 0,35 por litro ou, pelo menos, por preço superior a € 0,30 por litro – ficando aberta a possibilidade de parte do leite poder ser comprado a preço inferior a € 030 – determina que não se possa concluir pela existência do alegado dano, e isto independentemente da sua concreta quantificação neste momento.” Julgou, portanto, não devida a indemnização pretendida. A Relação, todavia, julgou “que o prejuízo existe, dado que, pelo menos em relação a algum do leite adquirido a terceiros, a ré o pagou mais caro, e só o passou a adquirir a terceiros porque a autora deixou de lho fornecer, sem que a cessação do fornecimento fosse justificada. Como se desconhece em que quantidade e porque preço exacto, então, deve lançar-se mão do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC (…)”. A autora continua a sustentar que tinha o direito de recusar o fornecimento de leite, nos termos do disposto nos artigos 427º e 428º do Código Civil, uma vez que estavam por pagar fornecimentos já realizados e que a ré não prestava a garantia bancária que lhe exigia. Relativamente a este ponto a sentença considerou que a autora não podia invocar a excepção de incumprimento para justificar a suspensão do fornecimento de leite à ré, porque, em seu entender, «as relações jurídicas conexas que constituem as diversas “parcelas” – contratos de compra e venda – que compõem o contrato de fornecimento, a sua autonomia em relação umas às outras, a excepção só pode funcionar relativamente às prestações correspectivas que integram o objecto de cada uma destas “parcelas”. Porém, as prestações em falta por banda da ré – dívidas do preço de vários fornecimentos já efectuados – não têm como prestações correlativas, os fornecimentos de leite que a autora decidiu suspender. Não estão pois verificados os pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato, pelo que não pode a conduta da autora, traduzida na interrupção do fornecimento do leite, fundar-se na referida excepção. Na verdade, face ao incumprimento da ré traduzido na falta de pagamento atempado do leite já fornecido, podia a autora exigir judicialmente o cumprimento daquela obrigação acrescida da indemnização devida – como efectivamente fez – podia resolver o contrato, se estivessem verificados os pressupostos desta forma de extinção do contrato e exigir indemnização, ou denunciá-lo mediante pré-aviso razoável. O que não era lícito à autora fazer foi suspender a execução do contrato, sem estarem verificarem no caso, os pressupostos da “exceptio non adimpleti contratus”.» E concluiu, assim, que “ao fazê-lo, violou também a autora o contrato.” A Relação não apreciou esta questão; nem, aliás, o poderia fazer, já que a autora não o requereu ao abrigo do regime previsto no nº 1 do artigo 684º-A do Código de Processo Civil; não será, portanto, conhecida por este Supremo Tribunal, por se tratar de questão já definitivamente decidida. Quanto à objecção de não estarem assentes factos que permitam sustentar a sua condenação em liquidação, não tem razão a recorrente. É certo que não basta estar provado que a ré “passou a comprar leite a outros fornecedores, pagando-o pelo menos a alguns ao preço médio de cerca de € 0,35 o litro” para se determinar qual foi o reflexo, no património da ré (cfr. artigo 566º, nº 2, do Código Civil), da diferença em relação ao preço praticado pela autora. No entanto, tal determinação pode ser feita em liquidação, nos termos do artigo 378º e segs. do Código de Processo Civil, para apurar, nomeadamente, qual a quantidade de leite adquirido a terceiros por aquele preço e qual a repercussão nos custos de produção que a correspondente qualidade (apreciada por referência aos requisitos legais) teve. Não há todavia que fazer a comparação com a rentabilidade proporcionada com o leite fornecido pela autora, uma vez que está assente, nos termos já referidos, que este não cumpria totalmente os requisitos que deveria cumpri, sendo por isso a autora condenada a pagar uma indemnização à ré».
- Sempre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença.
- Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor do deduzido pedido líquido de provar o quantitativo dos danos, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal.
- É que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor.
- Só no caso de se não ter provado a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objecto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação.
- Encontrando-se encerrado um estabelecimento, em virtude de doença do seu proprietário, quando a demolição de um prédio vizinho provocou infiltrações que, só por si, seriam aptas a provocar esse encerramento, a falta de prova sobre o momento em que cessou a doença inviabiliza o cálculo dos lucros cessantes imputáveis às infiltrações.
- A possibilidade de remeter para liquidação posterior o montante da condenação não permite ultrapassar a falta de prova de factos oportunamente alegados para demonstrar os prejuízos, mas apenas possibilitar a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário